Embrapa revela nova geografia da agropecuária brasileira: produção se desloca e se redefine no século 21

Dados inéditos da Embrapa mostram como a produção de soja, milho, cana, laranja e algodão mudou de rota desde os anos 2000, revelando novas fronteiras e a reorganização espacial do agronegócio

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a field of orange trees with lots of oranges on them
a field of orange trees with lots of oranges on them

A produção agropecuária brasileira passou por uma transformação silenciosa, porém profunda, ao longo das últimas duas décadas. Uma análise detalhada da plataforma SITE-MLog, desenvolvida pela Embrapa Territorial, mostra que desde os anos 2000 o país vive um processo de redistribuição geográfica das suas principais cadeias produtivas. As mudanças revelam tanto a expansão de culturas estratégicas para novas áreas quanto o declínio relativo de regiões historicamente tradicionais.

Principais mudanças na cana

A cana-de-açúcar é um dos exemplos mais marcantes dessa reconfiguração. Em 2000, o grupo das microrregiões responsáveis por 25% da produção nacional — o chamado G25 — estava concentrado em São Paulo, com destaque para Araraquara, Jaboticabal, Jaú, Ribeirão Preto e São Joaquim da Barra, além de São Miguel dos Campos, em Alagoas. Em 2023, Jaú e São Miguel dos Campos deixaram o grupo, enquanto novas regiões passaram a figurar entre as líderes, como Presidente Prudente e São José do Rio Preto, em São Paulo, além de Sudoeste de Goiás e Uberaba, em Minas Gerais. A produção nacional praticamente dobrou no período, impulsionada pela expansão para áreas como Goiás e Mato Grosso do Sul.

Migração da laranja

A citricultura mostra um movimento diferente. Embora o volume total de laranjas produzidas no país tenha se mantido estável ao longo das últimas duas décadas, as regiões responsáveis pela maior fatia da produção mudaram de forma significativa. O antigo eixo Araraquara–Jaboticabal–São José do Rio Preto perdeu força, enquanto microrregiões como Avaré, Bauru, Botucatu e São João da Boa Vista ganharam protagonismo. O avanço do greening teve papel crucial nesse deslocamento, reduzindo a produtividade nas áreas tradicionais e estimulando a expansão em novas regiões onde a doença tem impacto menor. Mesmo com a redução da área plantada, aumentos de produtividade sustentaram o volume de colheita.

Expansão da soja

A soja permanece como a cultura mais dinâmica do agronegócio brasileiro. Em 2000, microrregiões como Parecis e Alto Teles Pires, no Mato Grosso, Barreiras, na Bahia, e Sudoeste de Goiás já se destacavam. Em 2023, Canarana (MT) e Dourados (MS) passaram a integrar o grupo das maiores produtoras, refletindo um movimento em que áreas consolidadas se mantêm fortes enquanto novas fronteiras agrícolas avançam rapidamente. Esse crescimento inclui regiões como o Matopiba, o Pará, o norte do Mato Grosso e a metade sul do Rio Grande do Sul, muitas vezes sobre áreas de pastagens degradadas, o que contribui para a desconcentração da produção.

Concentração do milho

O milho segue um caminho oposto ao da soja. Apesar de a produção ter crescido de forma expressiva, a cultura se tornou mais concentrada geograficamente. Em 2000, 13 microrregiões em sete estados formavam o G25. Em 2023, esse mesmo percentual da produção estava concentrado em apenas quatro regiões do Centro-Oeste: Alto Teles Pires, Sinop, Sudoeste de Goiás e Dourados. Essa mudança está diretamente ligada ao fortalecimento do milho segunda safra, viabilizado por ajustes no calendário agrícola e pelo uso de cultivares mais precoces, especialmente em regiões com condições climáticas mais favoráveis ao cultivo.

Centralização do algodão

O algodão é a cultura mais concentrada entre todas as analisadas. Em 2023, a microrregião de Parecis, no Mato Grosso, respondeu sozinha por 25% da produção nacional, superando o nível de concentração observado em 2020. A forte especialização regional reforça o papel dominante do Mato Grosso na cotonicultura brasileira, enquanto outras regiões mantêm participação mais estável e menos significativa.

Essas transformações no mapa produtivo impactam diretamente logística, armazenagem, transporte e economia regional. Regiões que perdem relevância precisam se adaptar a novos cenários, enquanto áreas emergentes passam a exigir investimentos em infraestrutura, serviços técnicos, controle fitossanitário e estratégias de escoamento. Para a Embrapa Territorial, ferramentas como o SITE-MLog são essenciais para antecipar tendências e subsidiar decisões do setor público e privado.

Lançado em 2018 e atualizado em 2024, o SITE-MLog consolida dados sobre produção, exportação e logística de dez cadeias do agro, permitindo gerar mapas, identificar gargalos e orientar estratégias de desenvolvimento. A plataforma se tornou uma referência para gestores, investidores e pesquisadores que precisam compreender a dinâmica territorial do campo e planejar com precisão.